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Cavalcanti, Promethea


vb. criado em 28/05/2013, 21h26m.


FICHA DE LEITURA CONCLUÍDA EM 28/5/2013



Imaginação: uma forma de compensação para a finitude da vida.

Durand: (...) a imaginação simbólica é dinamicamente negação vital, negação do nada da morte e do tempo (...) uma “reação defensiva da natureza contra a representação da inevitabilidade da morte, através da inteligência”. (...) a função de imaginação é, acima de tudo, uma função de “eufemização” [...] toda a arte, da máscara sagrada à ópera-cómica, é sobretudo iniciativa eufêmica que se insurge contra o apodrecimento da morte”

A eufemização se diversifica em antítese (regime diurno) ou em antífrase (regime noturno).

Regime diurno: representa o universo em termos de opostos, separações, cortes, distinções, do que decorrem as mais frequentes noções sobre luz e trevas, seja nas mais diversas mitologias, seja em contos populares e até mesmo nas culturas secularizadas, em suas imagens políticas e ideologias. Leva a soluções como: a) Pegar as armas e destruir o monstro (o monstro é a morte, ou o tempo, que a ela conduz) (em imagens antitéticas como bem e mal, cavaleiro e dragão etc.) ou b) Criar um universo harmonioso no qual o monstro ou ameaça não possa entrar. As narrativas e representações prezam pela estrutura heróica, pela luta, pela vitória sobre o destino e sobre a morte. Seus principais símbolos são os de ascensão: ir para a luz e para o alto (símbolos espetaculares: luz, luminosidade). Igualmente, fala dos símbolos diairéticos (isto é, aqueles que se referem à separação cortante entre o bem e o mal. Espadas, lanças, bastões e outros apetrechos fálicos ou cortantes, são típicos). Usa símbolos teriomórficos (isto é, os símbolos cujas representações são animais), ou nictomórficos (relacionados às trevas, à passagem do tempo e à já mencionada relação luz-trevas/trevas-luz) e os catamórficos (referem-se às representações de “queda”, expulsões, perda da imortalidade e distanciamento da divindade ou da fonte – novamente uma dissociação entre uma instância e outra, uma polarização).

Regime noturno: une opostos, concilia, representa a “descida” interior em busca do conhecimento, como nos mitos ctônicos e seus mitemas de morte-renascimento, ida aos infernos e salvação final etc. É também o regime do tempo cíclico, dos fins e recomeços. Conduz a c) Ter uma visão cíclica do tempo no qual todo fim é também um começo. Tem como ponto fundamental todas as noções e imagens sintéticas e místicas que indicam, de um modo ou de outro, uma espécie de retorno às origens, mas também a anulação do tempo, com a imbricação do nascimento na morte e desta no primeiro. Assim, o que se tem é uma visão homeostática do universo, em que caos e ordem, entropia e informação atuam juntos num processo organizado e ininterrupto. A estrutura mística consiste na construção de harmonia, evita a polêmica, relaciona-se à procura da quietude, aos símbolos de inversão e símbolos de intimidade. Estes dois últimos referem-se ao útero, ao recolhimento, ao “arrependimento” e aos retornos e reconduções às fontes (origens, ancestralidade, o berço, o enterro, a circunscrição, o fechamento etc.). A estrutura sintética do regime noturno é representada por ritos que asseguram os ciclos da vida, pela harmonização dos contrários numa espécie de processo de reequilíbrio entre forças conflitantes, porém, complementares. As noções dos estágios da alquimia medieval, do ponto inicial até a conjunctio (o “casamento alquímico” ou a cessação mítica dos conflitos). Trata-se de uma tendência a esquemas teleológicos ou aqueles com seus fins e recomeços, a reversibilidade e a androginia – a cessação definitiva dos conflitos.

Em Promethea há imagens dos dois regimes. Numa estrutura simbólica como a árvore da vida, percorrer a árvore é regime diurno: um esquema ascensional em direção à luz. Noutra vertente, há modo noturno numa representação do universo cuja finalização pressupõe a cessão dos conflitos, o suplantar do tempo e a noção de recondução à fonte.

simbolismo cabalístico-astrológico dos planetas. Em resumo,

Saturno, o tempo e a dor, binah, negro, absorção do espectro, o pano de fundo sobre o qual a mínima luminosidade ganha destaque. Saturno/Cronos é ser ctônico, filho da terra, titã; é o pai devorador, ogro que engole os filhos, relacionado com o aspecto dracônico (v. dragão) e serpentino (v. serpente) da garganta engolidora (v. Boca do Inferno) e do túmulo. Essas imagens também remetem ao útero, em termos de regime noturno, que concilia fim com recomeço. Assim, Saturno/Cronos é agente da grande mãe, uma faceta masculinizada dela.

Júpiter, a abundância e a misericórdia, hesed, azul celeste, porque é deus uraniano

Marte a guerra e a justiça, gevurah, vermelho como o rubor do sangue, do ataque e defesa guerreiros

Sol, a consciência e a luz, tipheret, amarelo

Vênus, os afetos e vínculos, netzach, verde

Mercúrio, o intelecto e a comunicação, hod, laranja, cor

Lua, as imagens e a inconsciência, yesod, índigo/violeta, símbolo do inconsciente.

O caduceu, cetro de poder de hermes, é instrumento fálico (v. falo) e ascensional (as asas têm isomorfismo com o alto e luminoso) e também símbolo da síntese alquímica, unindo opostos na forma das serpentes entrelaçadas, associando alto/céu (asas) com baixo/terra (serpentes).

Hermes deus dos comerciantes, das encruzilhadas (como Exu) e dos ladrões

Na alquimia, a partir do séculos XV e XVI, o processo alquímico é dividido em 3 estágios: nigredo, albedo e rubedo, por sua vez subdivididos em 7 operações fundamentais, que representam a opus magnum: calcinatio, solutio, coagulatio, sublimatio, mortificatio, separatio, conjunctio.



Serpente, semente, lua:

A serpente como animal lunar ocorre na mesma proporção da relação lua-semente, ou, em outras palavras, do simbolismo agro-lunar e “astrobiológico” (DURAND, 2002, p. 282- 328). Guarda-se analogia com a semente, contraída em si mesma na latência da planta em sua plenitude. A semente, essa condição de gérmen, em outras palavras, aquilo que irá germinar a partir da terra. A semente, encravada, enroscada no seio da terra, pronta para brotar, tal qual serpente ondulante, não raro igualmente enroscada em sua toca na caverna (o dragão) ou num buraco sob a terra. A serpente/semente representa esse fluxo e refluxo vital cujo signo do enroscamento e da contração/encolhimento guarda isomorfismo com diversas representações sobre aquilo que possui potencial para o crescimento e ascensão (o feto, a semente e a planta, por exemplo).

Durand, a serpente é um animal lunar pelos seguintes motivos: A serpente é o triplo símbolo da transformação temporal, da fecundidade e. por fim. da perenidade ancestral. (...) O simbolismo da transformação temporal é ele próprio sobredeterminado no réptil. Este último é ao mesmo tempo animal de muda, que muda de pele permanecendo ele mesmo, e liga-se por isso aos diferentes símbolos teriomórficos do bestiário lunar, mas é igualmente para a consciência mítica o grande símbolo do ciclo temporal, o ouroboros. A serpente é, para a maior parte das culturas, a duplicação animal da lua, porque desaparece e reaparece ao mesmo ritmo que o astro e teria tantos anéis quantos dias tem a lunação. Por outro lado, a serpente é um animal que desaparece com facilidade nas fendas do solo, que desce aos infernos, e pela muda regenera-se a si mesmo. Bachelard liga esta faculdade de regenerescência do "animal metamorfose”, esta faculdade tão notável de “arranjar uma pele nova", ao esquema do ouroboros, da serpente enrolada comendo-se indefinidamente a si própria: "A que morde a cauda não é um simples anel de carne, é dialética material da vida e da morte, a morte que sai da vida e a vida que sai da morte (...) Com isso o psicólogo moderno vai ao encontro do pensamento chinês tradicional, para o qual o dragão e a serpente são os símbolos do fluxo e refluxo da vida. (Durand, Gilbert. As estruturas antropológicas do imaginário. São Paulo: Martins Fontes, 2002, p. 316-317)



Ajoelhar-se:

O ato de ajoelhar-se em uma expressão litúrgica (em templos ou fora deles), em respeito ou em meditação, simboliza um ato de recolhimento em si mesmo44, uma contração, um “tornar-se gérmen”, a fim de promover um renascimento simbólico, uma passagem por um “lugar estreito”. A criança faz uma passagem por um local estreito vindo ao mundo após seu “estado semente” como feto. O adulto sofreria, de acordo com essas tradições místicas e herméticas, um segundo nascimento, através de um outro canal: uma “porta dos deuses”. Ele o faria através de seu próprio estreitamento e receptividade, da partilha e envolvimento com aquilo que está além, seja esse além o mundo dos mortos/ancestrais, o dos bem-aventurados ou dos deuses. Mais do que um ato de submissão, estamos diante de uma atitude que visa o “brotar” para uma nova vida, a partir da entrega e da passagem pelo mundo dos mortos. O sentido é o mesmo dos ritos iniciáticos, das tradições xamânicas e do esoterismo ocidental. Morrer para renascer renovado, em um nível acima.



a Lua é igualmente o primeiro “relógio humano”, graças à sua fácil correlação com o ciclo menstrual, por sua vez, um dos primeiros sinais perceptíveis da passagem do tempo. Assim, a mulher, com a manifestação de seus ciclos biológicos no sangue menstrual, recebe o fardo da conexão com o transcorrer do tempo e, consequentemente, com a inevitável decrepitude e com a morte.

O “Sabbat” babilônico, que são as “regras da deusa lunar Ishtar” (DURAND, 2002, p.109), tem a mesma origem do termo “shabbat”, em hebraico, que, aliás, dá origem ao nosso “Sábado”. O mesmo termo vem de “Shabbathai”, que é “Saturno”, naquele idioma (GODWIN, 1997, p. 276). Já no inglês, o sábado é, como no latim, “Dies Saturni”, o “dia de Saturno” (“Saturday” ou “Saturn Day”).

(“... e eu vi uma mulher sentada sobre uma besta escarlate... Babilônia, a grande, mãe das prostitutas...”). Trata-se de uma passagem do Apocalipse (17:3-5) (...). A alusão é à “Besta do Apocalipse”, com “7 cabeças e 10 chifres”. A referência à Babilônia é também a deusas lunares e da fertilidade, como Ishtar, Astarte, Inana, Ísis, (Spalding, 1995, p. 95-105), sendo uma referência à Prostituta Sagrada, posteriormente estigmatizada por outros tipos de moralidade, como as que foram herdadas pelo Ocidente em textos bíblicos. A esse respeito, o pesquisador da Universidade do Porto, em Portugal, Rodrigo Alves Moreira, enuncia o que se segue:

A Grande Deusa, inicialmente conhecida como Inana, mais tarde como Ishtar, dominava todo o berço da civilização no antigo Médio Oriente (...) até cerca de 3.000 a.C (...) a prostituição sagrada era um ponto fulcral do ritual sagrado. A própria deusa Ishtar era identificada como prostituta, e estando os templos (que ainda eram centros do poder religioso, político e económico na Mesopotâmia) cheios de sacerdotisas-prostitutas, o estatuto das prostitutas era elevado. (...) Temos, pois, que ao longo da história da Mesopotâmia e do antigo Egipto, o sexo ainda era visto em grande parte como sagrado (...) Para derrubar o poder das prostitutas era necessário inventar um sistema de moral que reprimisse o sexo e que fosse suficientemente negativo para transformar as mulheres sagradas em párias sociais. Assim abre-se caminho aos profetas do Velho Testamento que no entanto encontravam dificuldade em passar a mensagem, devido à falta de controle sexual da vida do seu povo. Das cinzas da piedosa deusa-prostituta, os sacerdotes acabaram por criar uma pecadora e tentadora Eva, cuja curiosidade carnal levou à perdição de toda a Humanidade. (MOREIRA, 2009, p. 12-13)




ENCYCLOPAEDIA V. 51-0 (11/04/2016, 10h24m.), com 2567 verbetes e 2173 imagens.
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